segunda-feira, 12 de maio de 2014

Reflexão elaborada pela professora Edi Schmidt

As borboletas
Transcorria a década de 1960. Aos poucos, árvores, arbustos, cactáceos, eucaliptos, umbus, palmeiras foram sendo derrubados, sinalizando a chegada da energia elétrica através da CEEE. Funcionários deixaram suas impressões em árvores com nomes, data de nascimento e a cidade de origem.
A mente fica povoada de lembranças longínquas... Caminhava-se no meio do bosque, recheado de cantos dos pássaros, que irrigavam os ouvidos com suas melodias. Ouvia-se o canto das rolas, dos bem-te-vis, dos pássaros pretos, das corruíras, o canto insosso dos pardais e o repicar dos canários-da-terra. À noite, as corujas voavam em busca da presa. O joão de barro com voos deslizantes, a beira do riacho, abocanhava o material ideal levando no bico o barro misturado com folhas secas, fininhas, mas que fariam a construção perfeita de sua casinha lá no alto de uma araucária ou então de plátanos robustos, fortes, imponentes, de folhas que pareciam uma mão bem aberta, ilustrando a majestade de poder ser vistosa e até mesmo de palmeiras que balançavam as folhas num constante vai e vem. O taquaral abrigava ninhos de pássaros e o perfume inigualável das primaveras.   
O rio Fiúza e suas margens eram palco de muitos encantos. Nos dias quentes era frequentado por pessoas que ali perto da taipa passavam o domingo fazendo churrasco com muita alegria e risos, jogando conversa fora. Crianças, jovens e adultos nadavam, pescavam e, os mais audaciosos, subiam em árvores. Árvores eram esculpidas tipo degraus, para que a escalada fosse mais fácil. Do alto jogavam-se no rio e estava feita a competição. Tudo era festa.
Antes da taipa, o rio desviava uma parte da água, que corria mansamente por um corredor cheio de aguapés, sapos, girinos e cobras verdes e marrons. No meio do caminho outro pequeno canal desviava a água para movimentar um dínamo, que fornecia energia para as casas e para o próprio moinho. Seguindo o curso do braço do rio, chegava ao seu destino. Movia lentamente a roda de madeira enorme, fazendo com que as engrenagens produzissem alimentos para pessoas.
Na pequena ilha, o cheiro de flores silvestres e os beija-flores  produziam encanto, magia, mistério, contrastando com os mais variados tons de verde. O contraste de cores dava ao céu um azul mais intenso e o sol brilhava com esplendor. Dias turbulentos foram cruciais para marcar o golpe militar; aviões passavam rasgando o céu e o barulho desconhecido amedrontava. A natureza proporcionava um espetáculo ímpar.
Um pequeno campinho de futebol, cheio de espinhos oriundos dos pinheiros e unhas de gato machucavam, feriam, mas mesmo assim convidava a vizinhança a jogar futebol. As brincadeiras eram sadias e os dias voavam. Cigarras, grilos, urtigas e outras espécies faziam o carnaval.
Especialmente na estação da primavera, as borboletas das mais variadas espécies, dos tons de azul escuro, celeste, claro, amarelo, branco, cinza, marrom, com buraquinhos no meio das asas, parecendo olhos de onças pintadas, dançavam ao ritmo de uma orquestra, no balançar dos galhos, na grama, ora na borda do riacho ou nas pitangueiras, cerejeiras, ameixeiras, araticuns, coqueiros ou quando não pousavam no ombro. O silêncio se quebrava com o correr de lagartos assustados com papo amarelo e outros, até com rabo pela metade, enquanto um exército de formigas, ocupadas, marchava para cá e para lá, em tropas bem organizadas. De longe se ouvia o cacarejar de galinhas satisfeitas, escondidas em algum ponto da mata, provavelmente embaixo de uma touceira.
A natureza fornecia algo indescritível: o barulho das águas serpenteando as imensas pedras no meio do leito. O rio era caudaloso. Quando imensas enchentes o enchiam, o leito aproximava-se das residências e o moinho era invadido. A pesca acontecia ao longo das margens, onde se podia encontrar frutos silvestres, chás, sombras, flores e agaváceas. Vagalumes abrilhantavam as noites e cigarras, com as cantigas estridentes, quebravam achas de lenha para encontrar dentro delas muitos insetos.
Os amantes da natureza podiam estabelecer harmonia com a natureza, desnudando-se, enquanto o sol dourava corpos sedentos deitados na grama, rodeados por água. A queda das águas projetava um brilho incandescente e muita espuma. Pássaros deslizavam velozmente, banhando-se.
Sem serem cultivadas, flores silvestres ornamentavam o bosque, explodindo em beleza, convidando ao culto à natureza, levando as pessoas a sentir um leve odor da mistura de perfumes no ar.  O conhecimento podia ser produzido sobre a arte de contemplar o belo. O lugar era perfeito para a busca de um sentido existencial. Imagens nutriam a mente, a infância feliz.
Porte alto, esguio, sisudo, pouca conversa, claro, perspicaz, introvertido, bonete, com uma longa vara de taquara seca nas mãos, formada por vários gomos, lustrosa, tonalizada por tons beges, o homem frequentava o lugar assiduamente, zigue-zagueando atrás do voo das borboletas. Atropelava o que vinha pela frente. Nada lhe importava, queria caçar borboletas. A alegria estampava-se no rosto do homem introspectivo, dando-lhe um aspecto mais tranquilo. Na ponta da vara comprida havia uma rede; girando-a no vai e vem, parecia uma dança clássica. A impressão era que nada lhe escapava. Abria um sorriso despretensioso. Borboletas presas, tarefa cumprida.
Fatos pitorescos faziam parte da caça às borboletas. Ofuscado pelo sonho de capturar a borboleta mais linda e enorme, ele seguia em frente. Havia borboletas em tons violeta, outras que tinham um vermelho intenso, maravilhoso com uma aureola preta e no centro de cada asa um oito e um zero em tom bege. Era um espetáculo ímpar, a beleza estonteante dessas maravilhas. Ainda havia outras com vários tons de azul e dois olhos centralizados nas asas e duas antenas enormes em frente à cabeça.
Pondo-se a correr para alcançar as borboletas, o homem mal via a madeira que atravessava o córrego e, num piscar de olhos, estava estirado. Ficou imobilizado, embasbacado, olhos arregalados, porém, na mão continuava a vara. Rapidamente olhou para ela. No meio da rede pode ver uma linda borboleta debater-se. Sem demora ela conseguiu livrar-se da teia e alcançar voo em busca da liberdade. Enfim, novamente livre.
A natureza evidenciava que ali dava forma e lugar a todos os seres viventes.

Professora Edi Schmidt -2014
Acompanhe a reflexão "As Borboletas", na voz de Murilo de Andrade:

  

A Equipe do MAHP agradece a todos os colaboradores.

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